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Jaime F. Ribeiro

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

HOMENAGEM AO Pe. JOÃO LIMA TORRES


Há uns tempos a trás publiquei, neste blog, um pequeno artigo, sobre o Padre João Lima Torres, de Barcelos, e do seu interesse pela relojoaria, na qualidade de projectista e construtor de Relógios para as torres das igrejas.

Quis o destino que o autor do ANUÁRIO DE RELÓGIOS E CANETAS, o jornalista F. Correia de Oliveira lê-se esse artigo, o que deu origem à sugestão para que eu escrevesse, sobre o assunto, um artigo para o Anuário de 2011.

Assim, em baixo, disponibilizo, para os leitores deste blog, uma cópia do referido artigo.

Todavia, para os " amantes " da relojoaria, direi, que não se contentem com o artigo e comprem o ANUÁRIO DE RELÓGIOS E CANETAS -2011 ( nas bancas desde Dezembro ), porque vale a pena. Trata-se de um documento, sobre relojoaria, de qualidade internacional ! Parabéns ao Fernando Correia de Oliveira.






HOMENAGEM AO PADRE " Relojoeiro " JOÃO LIMA TORRES



Desde o início  do século XIV até meados do século passado os chamados Relógios de Torre, tiveram uma importância fundamental na informação horária ás populações, com particular ênfase nas pequenas e médias comunidades, onde além da indicação das horas e meias horas havia também o tocar de uma música tendo, em Portugal, ficado muito popular as conhecidas melodias do Westminster de Londres e a Avé Maria de Fátima,   divulgadas  pelos relógios de carrilhão  Reguladora, que  foram fabricados  durante mais de 100 anos, em V. N. de Famalicão .

Ao longo  dos últimos seis séculos e em particular depois da  invenção do pêndulo ( descoberta do isocronismo das oscilações - Galileo 1583),    dois locais público, adquiriram a primazia da colocação deste relógios de torre; As  Igrejas e os Edifícios Municipais. Não é por isso de estranhar que alguns Padres, enquanto homens de cultura e ciência, tenham encontrado na relojoaria um  hobby para os seus tempos livres.

Em 1970, enquanto director da Fabrica de Nacional de Relógios – Reguladora, em V.N. Famalicão, fui contactado por uma irmã da “ Casa Menino Deus “ das Franciscanas Missionárias de Maria, em Barcelos, sobre o interesse , para a Fábrica, na aquisição do espólio de relojoaria do falecido padre João de Lima Torres.

Observado o material exposto, conclui que tal não tinha grande  interesse para a fábrica , mas que o mesmo poderia ter alguma utilidade para um relojoeiro reparador. Aconselhei, por isso a irmã a contactar os relojoeiros de Barcelos e eventualmente de Braga sobre o assunto.

A irmã agradeceu a minha deslocação e para me “ compensar ” fez questão de me oferecer um envelope que continha um livro, sobre relógios eléctricos e alguma documentação sobre a actividade relojoeira do Padre Lima Torres, que eu desconhecia.  Antes de mais fiquei desde logo surpreendido pelo facto do Pe. Lima Torres dispor do livro sobre relojoaria eléctrica, que me estava a ser oferecido, pois em  Portugal  só conhecia,   então,  um exemplar daquele livro, que eu havia trazido da Suissa algum tempo antes. 

“ Religiosamente “ guardei aqueles documentos e são alguns extractos deles que hoje, por solicitação do Fernando C. de Oliveira,  publicamos  por se considerar relevante a sua divulgação, sobretudo para aqueles que como nós se interessam pela relojoaria, independentemente de até poderem  exercer qualquer  outra actividade.

Por força daquela  solicitação e na busca de uma fotografia do Pe. João Lima Torres, para valorizar este artigo, acabei por fazer alguma investigação sobre este ilustre  membro da comunidade católica e assim  cheguei a um seu sobrinho  neto , o Dr. Lima Torres , que por coincidência  é afilhado de baptismo do padre João. Ao  Dr. Lima Torres  os meus agradecimentos  não só o esforço para se conseguir  a referida foto mas também a informação que me forneceu  sobre a importância do Pe. João Lima Torres  como  musicólogo. Efectivamente o Pe. João Lima Torres  ocupa um lugar de destaque na bibliografia  de música  religiosa   do século XX dedicada a Fátima , de onde se destacam ; “ Carrilhões de Fátima “ – 1945  e várias Cânticos  produzidos nos anos 50 e 60  daquele século.
O Pe. João Lima Torres   que foi capelão da “ Casa do Menino Deus “ das Franciscanas Missionárias de Maria - Barcelos, durante várias décadas,  faleceu em Maio de  1968.

O padre João Lima Torres, não se limitava a ser um apreciador  de  relógios. Era um estudioso da  sua engenharia,  desenvolvendo  os seu próprios projectos; desenhava  e calculava  peças e sistemas para relógios  de torre, sob a marca Lusofaber, que criou,   contratando depois  a produção  das peças  em oficinas de Barcelos ( Serralharia Barcelence ) e do Porto ( J. Ramos & Irmão ) e quando necessário, com o recurso a acessórios de relógios do Jura Francês, onde este relógios se fabricavam desde meados do século XVIII e que na altura tinham um importador em Albergaria-a-Velha ( Miguel Marques Henriques ).

Em toda a correspondência trocada pelo Pe. Lima torres, quer com clientes ( colegas de outras paróquias ),  quer com fornecedores  é bem patente  a motivação do Pe.  Lima Torres em produzir  os relógios em Portugal  como forma de substituir as importações que então se faziam, dos mesmo  tipo  relógios

Pelas informações que obtive, enquanto director técnico da Reguladora, posteriormente  pela leitura  da documentação   que me foi confiada e agora  com a descoberta  da importância da sua  produção  musical dedicada a Fátima, nomeadamente  a sua obra “ Carrilhões de Fátima “ de 1945,  tudo indica, embora não o possa afirmar categoricamente,  que tenha sido o Padre João Lima Torres   o autor da melodia Avé Maria de Fátima introduzida nos relógios da Reguladora no princípio da década de 40 do século passado.  Ver em baixo a referência que faz  ao seu relacionamento com a Reguladora, em 1944, na  correspondência que troca  com  a empresa J. Ramos & Irmão, em Março de 1950.

A seguir  publicam-se alguns   extractos  da correspondência trocada entre o Pe. Lima Torre,   a empresa fornecedora  J. Ramos & Irmão e o cliente,  padre da igreja  São Romão – Ucha  (Barcelos),   sobre  o projecto, produção e instalação de um relógio de torre,   na igreja de São Romão da Ucha,  bem  como os cálculos da “ Rodagem do Movimento” e dos “Metros precisos para descida dos pesos “,   desenhos da “ Serra de Contagem “ e  do “ Mostrador de máquina “  e  duas fotos do mecanismo completo.

São documentos  que além de mostrarem  a capacidade criativa do Pe. Lima Torres , na área da  tecnologia e da engenharia  de relojoaria,   evidenciam também uma atitude  contributiva para  o desenvolvimento industrial que na época se começava a impor-se em Portugal.

Carta dirigida pelo Pe. Lima Torres ao Sr. José Leite, sócio gerente da secção de Máquinas, da firma J. Ramos & Irmão – fornecedor - em 12 de Março de 1950:

“ Na minha Agenda ( 10 do corrente ) apontara   o seguinte: Falar com algum dos donos da Fábrica particularmente, para ajustar contas equitativas, pondo em linha de conta os meus planos e direcção técnica na confecção  do novo relógio de torre  J. Lusofáber.”
…..
“ Repito o que já disse mais de uma vez: A Casa  é construtora competente de máquinas industriais, não de relógios ( que são máquina especiais, não industriais ). Ora, sendo assim, o meu caso como cliente é muito diverso; e assim diverso tem de ser o computo a fazer no artigo ( tempo gasto e oficiais especializados ). Como de relógios não percebem, evidentemente tinha eu próprio  de intervir com a minha engenharia e direcção técnica. Revelando lealmente os meus planos, dei à Casa a possibilidade de uma nova modalidade  de fabrico especial. Quando em 1944 apresentei à Boa reguladora  ( de Famalicão ) o meu novo carrilhão de sala  com todos os seus cálculos numéricos, os donos da fábrica apreciaram os planos  do novo relógio e a minha  franqueza em lhos confiar desinteressadamente , fabricando-me alguns acessórios e dando-me alguns outros do seu fabrico; e tiveram o gesto simpático de não me aceitarem retribuição alguma. Fizeram-me todos os serviços que eu  pretendia, nas mesmas  condições. Entenderam afinal, que eu  não era  fabricante; e, por isso,  não era um cliente normal, mas especial. “

….
“ quem me há-de  resarcir  do trabalho intelectual e corporal, que o novo relógio me tem acarretado …e isso por querer ser prestável a um colega amigo que deseja celebrar frutuosamente  as suas bodas d’oiro sacerdotais  ?...
Acresce que a freguesia de S. Romão da Ucha ( como em geral todas d’esta redondeza !) não tem industriais nem capitais, como essa de Lordelo de Ouro e as mais d’essa zona…Portanto  tenho empenho em não assustar em agravar o interessado! “

Carta dirigida pelo Pe. Lima Torres ao Pe. António Gomes da Costa  Abade da Ucha – cliente - em 21 de Maio de 1950

“ …Sobre a máquina do relógio devo dizer que é de primeira  qualidade ( em mateiral,  perfeição e rebustez  ), medindo-se perfeitamente com as suas congéneres francesas  ( que custam cá de 29 a 29 mil escudos, sem mostrador  e pesos, nem horas repetidas). Tenho aqui um catálogo , de Albergaria-a-Velha “   (   importador  Miguel  Marques Henriques ). …as minhas custam 15 mil escudo  ! “






Imagens

a)       Cálculo da  “ Rodagem do  Movimento ”
b)      Cálculo  dos  “  Metros  precisos para a descida dos pesos “
c)      Desenho da “ Serra de Contagem “
d)      Desenho  do  “ Mostrador da máquina “
e)      Vista lateral do mecanismo 
f)       Vista frontal do mecanismo

Notas Finais:
1- Foram vários os relógios de Torre  Lusofaber   produzidos  segundo projecto  do Pe. Lima Torres e instalados  em paróquias do norte de Portugal, embora  na documentação em causa haja  apenas referência  aos relógios das  igrejas da Ucha e de Vila Seca. Para  este último,   que  tudo indica seja anterior  ao  relógio da Ucha,  o Pe. Lima torres teria encomendado  o fabrico  das peças, de que necessitava,   na Serralharia Barcelense, em Barcelos. 

2-Em toda a correspondência trocada pelo Pe. Lima torres, quer com os Clientes ( colegas de outras paróquias ) quer com fornecedores  é bem patente  a motivação do Pe.  Lima Torres em produzir  os relógios em Portugal  como forma de substituir as importações que então se faziam,  deste  mesmo  tipo  relógios.

3-Numa época em que tanto  precisamos  de desenvolver a nossa indústria transformadora, parece de elementar justiça  salientar  a dedicação, o empenho e a criatividade  do padre João  Lima Torres, à causa  da relojoaria do seu tempo e à sua atitude  de produção nacional.  Também por isso  aqui deixamos esta pequena homenagem  a um homem que sendo   de  cultura espiritual,   quis partilhar com a comunidade   a sua  criatividade  e engenho de produtos bem terrenos .