Relojoaria já foi uma actividade principal do autor deste blog. Hoje é um hobby, que o autor cultiva, para colaborar na difusão da tecnologia de precisão, secular, e da beleza artista, que a maioria dos relógios mecânicos, consubstancia e que tantos admiradores tem granjeado à volta do mundo.
Comentários e outras colaborações são bem vindos, para ajudarem a desenvolver este blog.
De um leitor brasileiro, deste blog, o senhor Eng. José Liparizi,
recebemos um pedido de ajuda, na identificação do fabricante do
relógio de bolso que mostramos em baixo.
Diz-nos aquele amigo,
ter descoberto na relojoaria um " hobby " que está a aprofundar, na
medida em que a sua motivação vai crescendo proporcionalmente ao
conhecimento que vai adquirindo sobre ciência / arte dos relógios o
que já faz dele, hoje, um notável coleccionador de peças de referência .
Mostrador com informação do ano, do mês, dia da semana e dia do mês
Mostrador com foto, certamente do seu proprietário ou construtor ?
O mecanismo pode ter sido adaptado, a partir de um outro importado
É curioso verificar que toda a informação contida nos mostradores, frente e verso, está redigida em português. Este facto fez o nosso amigo brasileiro supor, que se trata de uma peça de origem portuguesa e devemos afirmar que acreditamos assim ser.
E, ainda que não seja fácil identificar o autor desta peça que, a avaliar pela informação contida no mostrador, parece ter construída no ultimo quarto do século IXX , este detalhe faz-nos reduzir substancialmente o número de opções .
De facto, sabemos que a partir de meados do século XVIII se inicia em Portugal uma significativa actividade de relojoaria, com a criação da Real Fábrica de Relojoaria , em Lisboa, que vai dar origem à produção nacional de diversos relógios de torre, parede e outros ditos de precisão ( bolso ? ). Na sequência desta actividade surgem, um pouco por todo o país, relojoeiros de grande nomeada, particularmente concentrados em Lisboa, Coimbra, Porto e Minho.
Por volta de 1880 existe, em Lisboa, um relojoeiro famoso, de nome Augusto Justiniano de Araújo, que desafia, com as suas criações, o que de melhor nos chega da Europa. Este relojoeiro, então conhecido com " Sábio Construtor de Relógios ", esteve particularmente em foco, quando apresentou, na Exposição Industrial de 1888 um relógio, de sua autoria, a que chamou de " Cosmocronómetro " , que acreditamos conter muita da informação que agora nos aparece, nas fotos do relógio que apresentamos .
Devemos realçar que o relojoeiro Justiniano de Araújo, não era um curioso da mecânica, estudou engenharia no Instituto Industrial de Lisboa, o que lhe permitia ter um entendimento correcto sobre desenho, construção e funcionamento de aparelhos mecânicos.
Segundo relatos históricos, sabemos ainda que muitos dos relógios deste " Sábio Construtor de Relógios " foram exportados, nomeadamente para o Brasil, Angola e Açores o que vem dar dar credibilidade à possibilidade do relógio que mostramos , em cima, ser de sua autoria.
Por último queremos lembrar Augusto Justiniano de Araújo, foi o fundador, em 1895, da Escola de Relojoaria na Real Casa Pia de Lisboa, que tendo fechado nos primeiros anos do sistema republicano, reabriu em 1951.
Depois destas " Dicas ", agradecemos toda a informação que possa ajudar o nosso amigo José Liparizi, a identificar o autor da sua " jóia " da relojoaria ( certamente portuguesa ), do século IXX.
Relatório de 1948 da autoria do Eng. Geógrafo José António Madeira
3 - A Precisão Actual da Determinação e Conservação da Hora ( 1948 )
"No texto deste relatório referimo - nos à possibilidade de medir intervalos de tempo da ordem do centésimo milésimo do segundo e mesmo do milionésimo . A medição destas grandezas é hoje um facto que está fora de qualquer discusão, tendo entrado já na prática corrente da astronomia e da física, pois de contrário teríamos que negar a utilidade das inúmeras aplicações do radar, das medidas balísticas de alta precisão, das comparações de frequências com a precisão de 1.10 ( levantado a -9 ) e de outras de natureza semelhante ".
............ "Para melhor compreensão do problema sobre a precisão da hora, entendemos separá-lo em três partes, de harmonia com a realidade actual. Assim referir-no-emos à chamada hora extrapolada, hora interpolada e hora definitiva.
A hora extrapolada resulta da utilização de várias pêndulas, quer baseando-se unicamente nas observações astronómicas do respectivo observatório, por métodos gráficos ou de calculo, quer resultante de um processo em que se atende não só à correcção da pêndula directriz, calculada por observações meridianas, mas ainda à correcção da mesma pêndula deduzida das recepções diárias de sinais horários. Este ultimo processo tem sido usado no Bureau International de l'Heure".
........... "A hora interpolada.Esta hora é obtida po meio das observações astronómicas e da própria pêndula directriz ou da pêndula média do respectivo observatório".
........... "A hora definitiva. Esta hora é calculada utilizando as recepções de sinais horários, as observações astronómicas e as pêndulas de um conjunto de observatórios, que constitui o chamado Observatório médio, e cujos resultados são enviados regularmente ao Bureau International de l'Heure. É expressa em tempo de um meridiano muito perto do de Greenwich, cuja longitude em relação a ele, é igual à média dos erros da longitudes convencionais dos observatórios que cooperam na determinação desta hora . Por ocasião da 2ª campanha internacional das longitudes, em 1933 , a posição do Observatório Médio era de 15 milésimos de segundo de tempo a Este de Greenwich ".
............ " Vê-se, portanto que o Problema da Hora na Actualidade, é uma consequência lógica e racional da evolução cientifica e técnica destes últimos anos. É em obediência a essa nova técnica e por premente necessidade da vida actual, que se procede agora à substituição quase total dos dispositivos e métodos horários da época clássica, quer por instrumentos de observação astronómica e de registo cronográfico, quer das próprias pêndulas, mesmo das mais recentes que trabalham sob pressão e temperatura constantes" .
"a propósito da renovação dos seus equipamentos astronómicos da hora, mormente na parte que diz respeito aos novos relógios radioeléctricos : " Nou possédons une horloge à quartz e nou sommes en train d'en faire construire encora 6 qui seront installées au cours de l'année prochain "( director do Observatório de Neuchatel- 07 /10/1948).
Relatório de 1948 da autoria do Eng. Geógrafo José António Madeira
2 - Apresentação do Relatório no Instituto para a Alta Cultura
"Partindo de Lisboa em 15/3/47, apresentei-me no Bureau International de l'Heure, no dia 20 do mesmo mês, tendo começado os meus trabalhos nesse mesmo dia, sob a superior orientação do ilustre Director daquele Serviço, Doutor Nicolas Stoyko, e em 21 fui recebido pelo Exmo. Director do Observatório de Paris, Prof. A. Danjon.
Em 6-7-48, parti para Londres, sendo recebido em 8 pelo Astrónomo Real de Greenwich, Sir Spencer Jones.
No dia seguinte, apresentei-me no Serviço da Hora, em Abinger, perto de Dorking North, alternado as minhas visitas entre esta secção e as de Greenwich.
Em 18, visitei as instalações dos " Relógios Falantes " de Londres, em Holborn Telephone Exchange.
De regresso ao Bureau International de l'Heure, visitei o Observatório de Bruxelas, em Uccle, retomando os meus trabalhos naquele estabelecimento científico em 26 de referido mês de Julho, os quais foram concluídos em 15 de Setembro do mesmo ano ".
...............
"No que respeita ao Serviço Nacional da Hora, cuja criação se propôe neste relatório, tive apenas em vista prestar ao País uma modesta contribuição sobre os novos conceitos da hora, relacionados com as nossas necessidades científicas e técnicas, neste ramo da ciência, visando assim um fim de verdadeiro interesse nacional.
Além do apetrechamento que se descreve, estudou-se também o projecto de um novo transmissor de sinais horários, um pouco diferente dos sistemas actualmente existentes nos observatórios estrangeiros ".
...............
"Suponho que o Serviço Nacional da Hora, compreendendo emissões de sinais horários científicos e de frequências, é uma necessidade que se impõe não só pela posição geofrafica que ocupamos, quer na Europa, quer noutros continentes, como também pelos riscos que se poderia correr, ficando dependentes da estratégia estranha, em caso de guerra, sabido como é por todos que bastantes emissoras emudeceram ou alteraram as suas gamas, durante a última conflagração mundial, sendo até utilizadas, algumas vezes, na cifra e na espionagem.
Como é lógico, um centro da hora nas condições que se propõe, interessa a todos os serviços públicos e particulares,. mas mais directamente àqueles que a seguir, indiscriminadamente, se indicam:
Emissora Nacional de Radiodifusão
Direcção dos Serviços de Electricidade e Comunicações do Ministério da Marinha
Direcção dos Serviços de Hidrografia, Navegação e Meteorologia Náutica
Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones
Direcção Geral e Companhia dos Caminhos de Ferro
Companhia dos Telefones
Administração dos Portos de Lisboa e do Douro e Leixões
Aeronáutica Civil e Militar
Serviço Meteorológico Nacional
Laboratório Nacional de Radioelectricidade ( a criar )
Estudos de balística e aplicações do radar e outras questões militares
Observatórios Astronómicos
Laboratórios de Física
Instituto Geográfico e Cadastral
Junta da Missões Geográficas ( Ministério das Colónias )
Empresas produtoras e distribuidoras de energia eléctrica
Universidades
Liceus, colégios e grandes escolas do ensino elementar e técnico
Hospitais
Ministérios
Grandes fábricas e casas bancárias, etc.
Posto isto, Excelentíssimo Senhor Presidente, consciente de ter cumprido, espero merecer a vossa aprovação ".
A Bem da Nação
Lisboa, 15 de Novembro de 1948 José António Madeira
Nota do Blogger:
Não sei se o Serviço Nacional da Hora proposto, neste relatório, alguma vez foi constituído ou funcionou. O que sei, é que em 1965 aceitei um convite da CNE- Companhia Nacional de Electricidade ( hoje REN ), para ingressar na companhia e aí desenvolver uma Rede Horária, que fosse credível para clientes e fornecedores, em virtude dos desfasamentos horários então existentes e dos custos envolvidos.
Completado o projecto, em 1966, havia então que construir os Relógios especificamente concebidos para o efeito o que esteve na origem da minha transferência para a Fábrica Nacional de Relógios - Reguladora SARL, onde fui assumir o lugar de Director Técnico, em substituição do meu Mestre Suíço Walter Sutter, que entretanto havia regressado ao seu país. Em 1969 os Relógios começaram e ser fornecidos e em 1970 a Rede Horária da CNE estava a funcionar com plena satisfação dos interessados.
Relatório de 1948 da autoria do Eng. Geógrafo José António Madeira
1 - PRÉFACE
“ Les Service de l’Heure des Observatoires
Astronomiques ont travaillé longtemps séparément, comme s’ils ignoraient les uns
les autres. C’est seulement quand on faisait des determinations de différences des
longitudes entre deux stations qu’on reliait entre eux les observatoires
intéressés . Les campangnes de détermination dês longitudes ont
soulevé chaque foi des questions três importantes relatives à la précision de la détermination
astronomique, à la conservationa et à la distribution de l’Heure. Mais ces
opérations ont été discontinues de sorte que l’on n’a pu étudier ces questions
importantes de façon ininterrompue.
L’introduction de la Télégraphie sans Fil
dans la pratique astronomique pour la diffusion de l’Heure et la détermination des longitudes, ainsi que la création du
Bureau International de l’Heure, ont
donné un essort
considérable au problème de l’Heure.
Les services horaires ont cesse de travailler
séparement. On fait, actuellement, la comparation des services horaires plusieurs
fois par jour grãce aux signaux horaires radiotélégraphiques. Dès le début de
l’utilisation de la T.S.F. ( année 1910), on a remarque que la précision des services horaires était
insuffisant. La surveillance dês écarts entre ces services a permis d’augmenter
la précision de détermination astronomique de l’Heure et de sa conservation.
L’extrapolation de la correction de pendules
qui présentait, avant l’utilisation dês signaux horaires un intérêt secondaire,
a pris une importance capitale.
Actuellement, on fait l’extrapolation de la marche de pendules et de appareils
d’émission de signaux horaire à une
millième de second prés. La
Comission International de l’Heure,
à l’Assemblée Génerale de l’Union Astronomique International qui sést tennue à
Zurich, en août 1948, dans sa résolution, a demande de conserver cette
précision. “
..................
“ L’emission de fréquences et , par
conséquent, l’émission de signaux horaires, est nécessaire non seulement aux
astronomes et aux géodésiens, aux navigateurs, aux explorateurs et aux services
publics ( chemins de fer, aviation, etc, ) aux laboratoires scientifiques e
industriels, mais aussi à l’étude de la propagation des ondes, à la comparation
international dês étalons de frequences, aux producteures e aux distributeurs d’energie électrique, à
tous les usagers de la rádio ( fabricants d’appareils, stations d´émission,
amateurs ), aux fabricants d’instruments de musique, etc. “
.................
“ Dans
le présent mémoire “ O Problema da Hora na Actualidade “, l’auteur, qui
est déjà connu par ses travaux sur l’astronomie méridienne et le service de l’Heure, étudie toutes les questions
du service horaire moderne. Il commence par les applications
nombreuses auxquelles se prêtent
les fréquences issues de étalons radioélectriques; la diffusion de l’Heure,
puis termine par um Project de crèation d’un service horaire national.
La nécessité de créer um tel service, équipé
selon la technique la plus moderne, est d’une évidence imperative pour um pays
comme le Portugal qui, avec ses colonies, couvre une superfície totale
d’environ 2.200.000 Km2 et dont les hardis navigateurs furent parmi les
premiers à reconnaitre les rivages nouveaux et à donner du globe terrestre une
image valable. “
Depois de mais de 50 anos,
perdido entre os livros, dossiers e papeis, que fomos acumulando ao longo dos
anos, acabo de reencontrar um documento muito relevante e hoje histórico, sobre
a problemática da hora, sua
medição e distribuição.
Trata-se de uma publicação do
Sindicato dos Engenheiros Geógrafos de 1948 ( outros tempos... ), da autoria do
Engenheiro Geógrafo, Capitão de Artilharia e Astrónomo do Observatório de
Lisboa,José António Madeira, onde
é descrito o “ Relatório de uma missão
de estudo no estrangeiro “,
intitulado “ O Problema da Hora na
Actualidade “,
Neste relatório, o autor descreve com detalhe o resultados dos estudos que efectuou entre Março e Setembro de 1947, como bolseiro do Instituto para a Alta Cultura, em França; no Bureau
International de l’Heure e no Observatório de Paris, na Inglaterra; no Serviço da Hora em Abinger , no Observatório de Greenwhich e nas instalações dos Relógios Falantes de Londres e também no Observatório de Uccle , na Bélgica.
Não vamos, obviamente, descrever aqui o relatório, mas não resistimos em
reproduzir algumas partes do seu
conteúdo por revelar , de forma
notável, que independentemente dos sistemas políticos e dos apoios que tiveram,
Portugal sempre teve talentos que
ambicionaram o progresso do seu país, nomeadamente pelo desenvolvimento
das ciências e das tecnologias, do
seu tempo, como foi o caso do Engenheiro Geógrafo José António Madeira.
Com simples homenagem, a este cientista português, pela sua dedicação à causa da criação de um Serviço Nacional da Hora, nos próximos 10 “posts”, deste blog, iremos descrever pequenos extractos, daquele relatório, relativos a:
1- Prefácio do Relatório da autoria do Doutor N. Stoyko, então Chef du Bureau International de l’Heure , Novembro de 1948. 2- Apresentação
do Relatório, pelo seu autor, no Instituto de Alta Cultura. Novembro de 1948. 3- A
Precisão Actual da Determinação e
Conservação da Hora. 4- Determinação
da Hora. 5- Conservação
da Hora. 6- Relógios
da Quartzo. 7- Relógios
de Diapasão. 8- Projecto
de um novo transmissor de sinais horários para o Serviço da Hora em Portugal. 9- Difusão
da hora : Relógio Falante e Curiosidades Estatísticas. 10-Proposta para a criação, em Portugal do Serviço
Nacional da Hora.
Há uns tempos a trás publiquei, neste blog, um pequeno artigo, sobre o Padre João Lima Torres, de Barcelos, e do seu interesse pela relojoaria, na qualidade de projectista e construtor de Relógios para as torres das igrejas.
Quis o destino que o autor do ANUÁRIO DE RELÓGIOS E CANETAS, o jornalista F. Correia de Oliveira lê-se esse artigo, o que deu origem à sugestão para que eu escrevesse, sobre o assunto, um artigo para o Anuário de 2011.
Assim, em baixo, disponibilizo, para os leitores deste blog, uma cópia do referido artigo.
Todavia, para os " amantes " da relojoaria, direi, que não se contentem com o artigo e comprem o ANUÁRIO DE RELÓGIOS E CANETAS -2011 ( nas bancas desde Dezembro ), porque vale a pena. Trata-se de um documento, sobre relojoaria, de qualidade internacional ! Parabéns ao Fernando Correia de Oliveira.
HOMENAGEM AO PADRE " Relojoeiro " JOÃO LIMA TORRES
Desde o início do século XIV até meados do século passado os chamados Relógios de Torre,tiveram uma importância fundamental na informação horária ás populações, com particular ênfase nas pequenas e médias comunidades, onde além da indicação das horas e meias horas havia também o tocar de uma música tendo, em Portugal, ficado muito popular as conhecidas melodias do Westminster de Londres e a Avé Maria de Fátima, divulgadas pelos relógios de carrilhão Reguladora, que foram fabricados durante mais de 100 anos, em V. N. de Famalicão .
Ao longo dos últimos seis séculos e em particular depois da invenção do pêndulo ( descoberta do isocronismo das oscilações - Galileo 1583), dois locais público, adquiriram a primazia da colocação deste relógios de torre; As Igrejas e os Edifícios Municipais. Não é por isso de estranhar que alguns Padres, enquanto homens de cultura e ciência, tenham encontrado na relojoaria um hobby para os seus tempos livres.
Em 1970, enquanto director da Fabrica de Nacional de Relógios – Reguladora, em V.N. Famalicão, fui contactado por uma irmã da “ Casa Menino Deus “ das Franciscanas Missionárias de Maria, em Barcelos, sobre o interesse , para a Fábrica, na aquisição do espólio de relojoaria do falecido padre João de Lima Torres.
Observado o material exposto, conclui que tal não tinha grande interesse para a fábrica , mas que o mesmo poderia ter alguma utilidade para um relojoeiro reparador. Aconselhei, por isso a irmã a contactar os relojoeiros de Barcelos e eventualmente de Braga sobre o assunto.
A irmã agradeceu a minha deslocação e para me “ compensar ” fez questão de me oferecer um envelope que continha um livro, sobre relógios eléctricos e alguma documentação sobre a actividade relojoeira do Padre Lima Torres, que eu desconhecia. Antes de mais fiquei desde logo surpreendido pelo facto do Pe. Lima Torres dispor do livro sobre relojoaria eléctrica, que me estava a ser oferecido, pois em Portugal só conhecia, então, um exemplar daquele livro, que eu havia trazido da Suissa algum tempo antes.
“ Religiosamente “ guardei aqueles documentos e são alguns extractos deles que hoje, por solicitação do Fernando C. de Oliveira, publicamos por se considerar relevante a sua divulgação, sobretudo para aqueles que como nós se interessam pela relojoaria, independentemente de até poderem exercer qualquer outra actividade.
Por força daquela solicitação e na busca de uma fotografia do Pe. João Lima Torres, para valorizar este artigo, acabei por fazer alguma investigação sobre este ilustre membro da comunidade católica e assim cheguei a um seu sobrinho neto , o Dr. Lima Torres , que por coincidência é afilhado de baptismo do padre João. Ao Dr. Lima Torres os meus agradecimentos não só o esforço para se conseguir a referida foto mas também a informação que me forneceu sobre a importância do Pe. João Lima Torres como musicólogo. Efectivamente o Pe. João Lima Torres ocupa um lugar de destaque na bibliografia de música religiosa do século XX dedicada a Fátima , de onde se destacam ; “ Carrilhões de Fátima “ – 1945 e várias Cânticos produzidos nos anos 50 e 60 daquele século.
O Pe. João Lima Torres que foi capelão da “ Casa do Menino Deus “ das Franciscanas Missionárias de Maria - Barcelos, durante várias décadas, faleceu em Maio de 1968.
O padre João Lima Torres, não se limitava a ser um apreciador de relógios. Era um estudioso da sua engenharia, desenvolvendo os seu próprios projectos; desenhava e calculava peças e sistemas para relógios de torre, sob a marca Lusofaber, que criou, contratando depois a produção das peças em oficinas de Barcelos ( Serralharia Barcelence ) e do Porto ( J. Ramos & Irmão ) e quando necessário, com o recurso a acessórios de relógios do Jura Francês, onde este relógios se fabricavam desde meados do século XVIII e que na altura tinham um importador em Albergaria-a-Velha ( Miguel Marques Henriques ).
Em toda a correspondência trocada pelo Pe. Lima torres, quer com clientes ( colegas de outras paróquias ), quer com fornecedores é bem patente a motivação do Pe. Lima Torres em produzir os relógios em Portugal como forma de substituir as importações que então se faziam, dos mesmo tipo relógios
Pelas informações que obtive, enquanto director técnico da Reguladora, posteriormente pela leitura da documentação que me foi confiada e agora com a descoberta da importância da sua produção musical dedicada a Fátima, nomeadamente a sua obra “ Carrilhões de Fátima “ de 1945, tudo indica, embora não o possa afirmar categoricamente, que tenha sido o Padre João Lima Torres o autor da melodia Avé Maria de Fátima introduzida nos relógios da Reguladora no princípio da década de 40 do século passado. Ver em baixo a referência que faz ao seu relacionamento com a Reguladora, em 1944, na correspondência que troca com a empresa J. Ramos & Irmão, em Março de 1950.
A seguir publicam-se alguns extractos da correspondência trocada entre o Pe. Lima Torre, a empresa fornecedora J. Ramos & Irmão e o cliente, padre da igreja São Romão – Ucha (Barcelos), sobre o projecto, produção e instalação de um relógio de torre, na igreja de São Romão da Ucha, bem como os cálculos da “ Rodagem do Movimento” e dos “Metros precisos para descida dos pesos “, desenhos da “ Serra de Contagem “ e do “ Mostrador de máquina “ e duas fotos do mecanismo completo.
São documentos que além de mostrarem a capacidade criativa do Pe. Lima Torres , na área da tecnologia e da engenharia de relojoaria, evidenciam também uma atitude contributiva para o desenvolvimento industrial que na época se começava a impor-se em Portugal.
Carta dirigida pelo Pe. Lima Torres ao Sr. José Leite, sócio gerente da secção de Máquinas, da firma J. Ramos & Irmão – fornecedor - em 12 de Março de 1950:
“ Na minha Agenda ( 10 do corrente ) apontara o seguinte: Falar com algum dos donos da Fábrica particularmente, para ajustar contas equitativas, pondo em linha de conta os meus planos e direcção técnica na confecção do novo relógio de torre J. Lusofáber.”
…..
“ Repito o que já disse mais de uma vez: A Casa é construtora competente de máquinas industriais, não de relógios ( que são máquina especiais, não industriais ). Ora, sendo assim, o meu caso como cliente é muito diverso; e assim diverso tem de ser o computo a fazer no artigo ( tempo gasto e oficiais especializados ). Como de relógios não percebem, evidentemente tinha eu próprio de intervir com a minha engenharia e direcção técnica. Revelando lealmente os meus planos, dei à Casa a possibilidade de uma nova modalidade de fabrico especial. Quando em 1944 apresentei à Boa reguladora ( de Famalicão ) o meu novo carrilhão de sala com todos os seus cálculos numéricos, os donos da fábrica apreciaram os planos do novo relógio e a minha franqueza em lhos confiar desinteressadamente , fabricando-me alguns acessórios e dando-me alguns outros do seu fabrico; e tiveram o gesto simpático de não me aceitarem retribuição alguma. Fizeram-me todos os serviços que eu pretendia, nas mesmas condições. Entenderam afinal, que eu não era fabricante; e, por isso, não era um cliente normal, mas especial. “
….
“ quem me há-de resarcir do trabalho intelectual e corporal, que o novo relógio me tem acarretado …e isso por querer ser prestável a um colega amigo que deseja celebrar frutuosamente as suas bodas d’oiro sacerdotais ?...
Acresce que a freguesia de S. Romão da Ucha ( como em geral todas d’esta redondeza !) não tem industriais nem capitais, como essa de Lordelo de Ouro e as mais d’essa zona…Portanto tenho empenho em não assustar em agravar o interessado! “
Carta dirigida pelo Pe. Lima Torres ao Pe. António Gomes da Costa Abade da Ucha – cliente - em 21 de Maio de 1950
“ …Sobre a máquina do relógio devo dizer que é de primeira qualidade ( em mateiral, perfeição e rebustez ), medindo-se perfeitamente com as suas congéneres francesas ( que custam cá de 29 a 29 mil escudos, sem mostrador e pesos, nem horas repetidas). Tenho aqui um catálogo , de Albergaria-a-Velha “ ( importador Miguel Marques Henriques ). …as minhas custam 15 mil escudo ! “
Imagens
a) Cálculo da “ Rodagem do Movimento ”
b)Cálculo dos “ Metros precisos para a descida dos pesos “
c)Desenho da “ Serra de Contagem “
d)Desenho do “ Mostrador da máquina “
e)Vista lateral do mecanismo
f)Vista frontal do mecanismo
Notas Finais:
1- Foram vários os relógios de Torre Lusofaber produzidos segundo projecto do Pe. Lima Torres e instalados em paróquias do norte de Portugal, embora na documentação em causa haja apenas referência aos relógios das igrejas da Ucha e de Vila Seca. Para este último, que tudo indica seja anterior ao relógio da Ucha, o Pe. Lima torres teria encomendado o fabrico das peças, de que necessitava, na Serralharia Barcelense, em Barcelos.
2-Em toda a correspondência trocada pelo Pe. Lima torres, quer com os Clientes ( colegas de outras paróquias ) quer com fornecedores é bem patente a motivação do Pe. Lima Torres em produzir os relógios em Portugal como forma de substituir as importações que então se faziam, deste mesmo tipo relógios.
3-Numa época em que tanto precisamos de desenvolver a nossa indústria transformadora, parece de elementar justiça salientar a dedicação, o empenho e a criatividade do padre João Lima Torres, à causa da relojoaria do seu tempo e à sua atitude de produção nacional. Também por isso aqui deixamos esta pequena homenagem a um homem que sendo de cultura espiritual, quis partilhar com a comunidade a sua criatividade e engenho de produtos bem terrenos .